terça-feira, 29 de janeiro de 2008

A descoberta da poesia

Acompanhar o surgimento de uma nova emoção, o nascimento de um sentimento novo, pode ser tão bonito quanto compartilhar dessa emoção e desse sentimento.
É absolutamente impossível lembrar de todas as primeiras vezes em que surgiram novidades em nossas vidas. O primeiro sorriso, a primeira refeição com garfo, o primeiro banho de sol. Outras primeiras vezes são inesquecíveis e já foram tema de muita prosa e poesia: a primeira professora, o primeiro beijo, o primeiro amor.
Todo texto sobre uma primeira vez corre o sério risco de cair no lugar comum, e por isso não cometerei tal imprudência. Apenas quero dividir em palavras uma nova descoberta.
Minha querida amiga Roberta nunca tinha lido poesia. Alguns poemas lidos em pé na livraria e ela foi conquistada. Emprestei o livro do Alberto Caeiro, e a maneira como ela me descreveu hoje sua descoberta foi simplesmente... poética! (infelizmente, não escrevi na hora o que ela disse e não consigo reproduzir aqui. A beleza daquele momento vai ficar guardada em nós...)
Já estava acostumada a conviver com pessoas poéticas e poetas, para quem a poesia é tão natural que talvez elas nem consigam lembrar como entrou em suas vidas. A novidade da revelação e a revelação da novidade a mim me deixaram feliz. Felicidade que é quase tão inexplicável quanto a própria poesia. O tipo de contentamento que nos faz sorrir e agradecer em silêncio.

Poema de canção sobre a esperança

(Álvaro de Campos)

Dá-me lírios, lírios,
E rosas também.
Mas se não tens lírios
Nem rosas a dar-me,
Tem vontade ao menos
De me dar os lírios
E também as rosas.
Basta-me a vontade,
Que tens, se a tiveres,
De me dar os lírios
E as rosas também,
E terei os lírios -
Os melhores lírios -
E as melhores rosas
Sem receber nada,
a não ser a prenda
Da tua vontade
De me dares lírios
E rosas também.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

O melhor da vida é compartilhar

Retratos, sons e sabores

Irmã, amigo, quase dia.
BR-116 - um descaso com o contribuinte.
Bruce Springsteen, Rionegro e Solimões, Stones.
Pão de milho com mel e café com leite na beira da estrada.
Almoço na Barra da Lagoa.
Café, torta brownie de nozes (!!!) e amizade no Café dos Açores.
Iva e muitas risadas no Córrego Grande.
Nascer do sol, yoga e mergulho no mar da Joaquina.
Encantamento em Ribeirão da Ilha.
Silêncio e paisagem na casa de retiros Vila Fátima.
Jack Johnson, empanadas e suco de abacaxi com morango na Armação.
Banho de mar em Matadeiro.
Grito de carnaval, canto à Iemanja e Dazaranha ao vivo em Santo Antonio de Lisboa.
BR-116 parte II - sem comentários.
Mãe e cuca de uva com leite gelado na cozinha de casa.
Vida, emoção e arte!
Hoje e sempre!
Graças a Deus!!!

(Rosa Marques)

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Corazón coraza

(Mario Benedetti)

Porque te tengo y no
porque te pienso
porque la noche está de ojos abiertos
porque la noche pasa y digo amor
porque has venido a recoger tu imagen
y eres mejor que todas tus imágenes
porque eres linda desde el pie hasta el alma
porque eres buena desde el alma a mí
porque te escondes dulce en el orgullo
pequeña y dulce
corazón coraza

porque eres mía
porque no eres mía
porque te miro y muero
y peor que muero
si no te miro amor
si no te miro

porque tú siempre existes dondequiera
pero existes mejor donde te quiero
porque tu boca es sangre
y tienes frío
tengo que amarte amor

tengo que amarte
aunque esta herida duela como dos
aunque te busque y no te encuentre
y aunque
la noche pase y yo te tenga
y no.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

A ordem

A ordem ateou fogo na casa,
acelerou os moinhos e os relógios de pulso,
anoiteceu o dia em plena manhã de terça-feira.
A ordem sucumbiu aos escombros,
venceu a ilusão da calma
e descobriu que o caos era a paz.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Mais banalidades: Sobre Homens e Mulheres - Parte II

A compreensão da natureza masculina e, por oposição, ou melhor, comparação, da feminina (ou vice-versa), é um desses assuntos que sempre surgem em rodas de amigos e sempre rendem boas risadas. Da minha parte, de modo geral, resisto às tentativas de explicar os homens e as mulheres em termos de serem homens e mulheres, ou seja, por conta de suas diferenças bizarras e particularidades antropológicas. Mas aquele meu amigo filósofo apresentou uma distinção irresistível: "Somente as mulheres se magoam. Homem não fica magoado. Homem fica puuuto!"
Além das gargalhadas, fica também desta distinção uma iluminação sutil e altamente reveladora...

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Banalidades: O Tempo e o Bolo (ou sobre Homens e Mulheres)

O sábado já estava praticamente ganho quando o reencontro com um amigo querido veio a selar e confirmar a vitória. Esse amigo, filósofo nas horas vagas e somente com pessoas especiais, é daqueles com que filosofar se torna mais agradável porque sua filosofia sempre tende ao bom humor. O seu "gostar de coração", dito entre sorrisos quase irônicos, é mais verdadeiro porque acompanhado de graça.
Enfim, esse amigo, sábado, estava inspirado e revelou sua teoria sobre o tempo e o bolo. As pessoas apressadas e ansiosas não compreendem a sábia ação do tempo. Quando fazemos um bolo, ele precisa ficar o tempo certo e necessário no forno, para assar e ficar pronto. Nem mais, nem menos. Se ficar tempo demais, queima. Tempo de menos, fica cru. Há aqueles que pensam enganar o tempo e, astutamente, aumentam a potência do forno para acelerar o cozimento. Resultado: o bolo até assa, mas fica uma porcaria. E assim, perdem a oportunidade de saborear um bolo verdadeiramente delicioso.
"É preciso deixar o bolo assando no tempo certo". Em relação ao nosso próprio bolo, o exercício de espera até se justifica, mas até que ponto temos que esperar o bolo alheio assar? Se duas pessoas - digamos, um homem e uma mulher - assam seus respectivos bolos ao mesmo tempo, deve haver algum sincronismo de cozimento? Ou se um bolo fica pra trás e demora pra ficar pronto, o outro bolo espera um pouquinho, queima um pouquinho, ou parte pra outra confeitaria? Porque se demorar muito a assar, quando finalmente ficar pronto, o negócio é dar pra outra pessoa comer! A sorte grande é encontrar o bolo já assado e confeitado... Será possível? Talvez sim, talvez não. Pelo sim, pelo não, lembrando a história do jardim e das borboletas ("cuide de seu jardim e as borboletas virão"), venho com uma nova máxima: Asse seu próprio bolo e não fique esperando pelo bolo alheio! Pode soar como indiferença, mas não é: é a suprema confiança no tempo. Como cantam os Rolling Stones, "time is on my side, yes, it is..."

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Questão de perspectiva


quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Ensaiando os Ensaios

"Não me encontro onde procuro, mas de repente, quando menos espero." (Montaigne)

Esta semana finalmente dei início a um projeto sempre adiado: ler os Ensaios, de Montaige.
Comprei o volume numa barganha incrível, em um sebo no prédio da Filosofia da USP, no meu último dia em São Paulo (era de fato o último: tinha ido apenas buscar meu diploma). Eu, que não sou de barganhar nada, hoje não me arrependo do chorinho de última hora...
Este livro pode ser considerado o mais remoto predecessor dos blogs atuais. Nele, o autor se propõe a escrever livremente sobre qualquer assunto que lhe interesse e que esteja intimamente ligado a sua pessoa. Deu origem, assim, ao gênero conhecido como "ensaio". Em sua apresentação, "Do autor ao leitor", que já promete uma certa aproximação, ele se explica:

Eis aqui, leitor, um livro de boa-fé.
Adverte-o ele de início que só o escrevi para mim mesmo, e alguns íntimos, sem me preocupar com o interesse que poderia ter para ti, nem pensar na posteridade. Tão ambiciosos objetivos estão acima de minhas forças. Votei- em particular a meus parentes e amigos e isso a fim de que, quando eu não for mais deste mundo (o que em breve acontecerá), possam nele encontrar alguns traço de meu caráter e de minhas idéias e assim conservem mais inteiro e vivo o conhecimento que de mim tiveram. Se houvesse almejado os favores do mundo, ter-me-ia enfeitado e me apresentaria sob uma forma mais cuidada, de modo a produzir melhor efeito. Prefiro, porém, que me vejam na minha simplicidade natural, sem artifício de nenhuma espécie, porquanto é a mim mesmo que pinto. Vivos se exibirão meus defeitos e todos me verão na minha ingenuidade física e moral, pelo mesno enquanto permitir a conveniência. Se tivesse nascido entre essa gente de quem se diz viver ainda na doce liberdade das primitivas leis da natureza, asseguro-te que de bom grado me pintaria por inteiro e nu.
Assim, leitor, sou eu mesmo a matéria deste livro, o que será talvez razão suficiente para que não empregues teus lazeres em assunto tão fútil e de tão mínima importância.

Na verdade, os assuntos fúteis e de tão mínima importância são textos deliciosos com temas como "Dos nossos ódios e afeições", "Como uma mesma coisa nos faz rir e chorar", "Da incerteza dos nossos juízos", "Da companhia dos homens, das mulheres e dos livros", "De como filosofar é aprender a morrer".
O livro tem um estilo tão próprio que foge a qualquer classificação simplista, sempre beirando entre literatura e filosofia. E lendo-o, torna-se um grande prazer conhecer não apenas o pensador, mas principalmente o homem que o escreve.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Tarde com Krishna Das

Caught in the storm, battered by waves
The ship of my life was blown off course
By the winds of Selfishness

My breath rises within me,
the breath of the heart.
The sweet breath.
The sacred breath leads me in.

Now the winds die down
and the waters grow calm.
I have found a haven for my heart,
In the harbor of the Name.

*
"If we know anything about a path at all, it's only because of the Great ones that have gone before us. Out of their love and kindness, they have left some footprints for us to follow. So, in the same way that they wish for us, we wish that all beings everywhere, including ourselves, be safe, be happy, have good health, and enough to eat. And may we all live at ease of heart with whatever comes to us in life." (Krishna Das)

*
Place your burden
at the feet of the Lord of the Universe
who accomplishes everything.
Remain all the time steadfast in the heart,
in the Transcendental Absolute.
God knows the past, present and future.
He will determine the future for you
and accomplish the work.
What is to be done will be done at the proper time.
Don’t worry.
Abide in the heart and surrender your acts to the divine.

Ramana Maharshi (citado por Krishna Das)

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

De tudo, levo comigo a beleza do que ficou...

Olhos partidos

Os olhos diziam o indizível
E eram nada e faca e mel
Os olhos negavam as mãos
Os olhos partiram
Aquilo era adeus.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Alegrias desconhecidas

Tudo o que ainda não vimos, tudo o que ainda não conhecemos, mas que de repente se apresenta a nós como velhos amigos... A beleza da vida apreciada nestas pequenas descobertas e grandes encantamentos. Epifanias em um instante, uma palavra... e a alegria indescritível de partilhar isso.

alegrias desconhecidas
o presente na revelação
do que não sou
nem posso ser
mas sinto.

(e respondendo à pergunta anterior, acho que sim.)

De andar com poeta, será que a gente se empoeta, se poetiza?

Poema de quem não escreve poesia

Quero viver a leveza de não ser.
O lixo de cada dia jogado fora
A cortina descerrada
A conversa amanhecida
A vida descoberta nos instantes
Em que nem se sabe o que é vida.
Quero viver a leveza de não ser.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

A Última Grande Lição

Ontem reli um livro que, apesar de sua simplicidade - ou talvez exatamente por isso -, me tocou bastante: A Última Grande Lição (em inglês, Tuesdays with Morrie), de Mitch Albom. É a história real de um reencontro entre um aluno e seu professor, que sofre de ELAS, doença degenerativa que vai paralisando todos os músculos até levar à morte. Juntos, eles decidem realizar um último projeto: lições sobre a vida e sobre a morte.
A serenidade, a lucidez e a imensa sabedoria de Morrie inspiram e emocionam. Seus aforismos ficam gravados na mente como música: "Quando se aprende a morrer, se aprende a viver", "O amor é o único ato racional", "A morte é o fim de uma vida, mas não de um relacionamento", "Quando somos crianças, precisamos dos outros para sobreviver. Quando estamos morrendo, precisamos dos outros para sobreviver. Mas eis um segredo: entre um e outro, precisamos dos outros mais ainda", e o mais repetido: "We must love one another or die" ("Devemos amar uns aos outros ou morrer"), parte do poema September 1, 1939, de W. H. Auden:

All I have is a voice
To undo the folded lie,
The romantic lie in the brain
Of the sensual man-in-the-street
And the lie of Authority
Whose buildings grope the sky:
There is no such thing as the State
And no one exists alone;
Hunger allows no choice
To the citizen or the police;
We must love one another or die.

Hoje encontrei no youtube os programas de televisão realizados com o verdadeiro Morrie Schwartz (o que torna toda essa experiência emocional ainda mais significativa) e assisti ao filme baseado no livro. São dessas coisas que tornam a vida mais bonita...

As entrevistas com Morrie:


Para encerrar, vou colocar aqui a história da ondinha que eu já nem lembrava que tinha conhecido por meio deste livro:

- Ouvi uma história linda outro dia - diz Morrie. - Fecha os olhos por um momento e eu espero.
- É a história de uma ondazinha saltitando no oceano, diventindo-se a valer. Está apreciando o vento e o ar fresco - até que dá com as outras ondas na frente, arrebentando-se na praia.
- "Meu Deus, que coisa horrível!", diz a ondazinha. "É isso que vai acontecer comigo!"
- Aí chega outra onda. Vê a primeira, que está triste, e pergunta: "Por que está triste?"
- "Você não está entendendo", diz a primeira onda. "Vamos todas arrebentar! Nós todas vamos acabar em nada! Não é horrível?"
- Responde a segunda onda: "Não, você é que não está entendendo. Você não é uma onda, você é parte do oceano."
Sorrio. Morrie torna a fechar os olhos.
- Parte do oceano - diz. - Parte do oceano.
Fico olhando a respiração dele, inspirando, expirando, inspirando, expirando.