quarta-feira, 23 de abril de 2008

Janela

Não estava lá,
não sabia.
Mas, ao longe,
o que via eram
dois mundos e
uma distância.

domingo, 20 de abril de 2008

Haikai

fim de tarde
depois do trovão
o silêncio é maior

Alice Ruiz

sábado, 19 de abril de 2008

Tapa na cara

"Velho burocrata, meu companheiro aqui presente, ninguém nunca fez com que te evadisses, e não és responsável por isso. Construíste tua paz tapando com cimento, como fazem as térmitas, todas as saídas para a luz. Ficaste enroscado em tua segurança burguesa, em tuas rotinas, nos ritos sufocantes de tua vida provinciana; ergueste essa humilde proteção contra os ventos, e as marés, e as estrelas. Não queres te inquietar com os grandes problemas e fizeste um grande esforço para esquecer a tua condição de homem. Não és o habitante de um planeta errante e não lanças perguntas sem solução: és um pequeno-burguês de Toulouse. Ninguém te sacudiu pelos ombros quando ainda era tempo. Agora a argila de que és feito já secou, e endureceu, e nada mais poderá despertar em ti o músico adormecido, ou o poeta, ou o astrônomo que talvez te habitassem."

Terra dos Homens, Antoine de Saint-Exupéry

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Felicidade realista

"Ser feliz de uma forma realista é fazer o possível e aceitar o improvável. Fazer exercícios sem almejar passarelas, trabalhar sem almejar o estrelato, amar sem almejar o eterno. Olhe para o relógio: hora de acordar. "

(Martha Medeiros)

terça-feira, 8 de abril de 2008

Acordar

Eu adoro todas as coisas
E o meu coração é um albergue aberto toda a noite.
Tenho pela vida um interesse ávido
Que busca compreendê-la sentindo-a muito.
Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo,
Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas,
Para aumentar com isso a minha personalidade.

Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio
E a minha ambição era trazer o universo ao colo
Como uma criança a quem a ama beija.
Eu amo todas as coisas, umas mais do que as outras,
Não nenhuma mais do que outra, mas sempre mais as que estou vendo
Do que as que vi ou verei.
Nada para mim é tão belo como o movimento e as sensações.
A vida é uma grande feira e tudo são barracas e saltimbancos.
Penso nisto, enterneço-me mas não sossego nunca.

Dá-me lírios, lírios
E rosas também.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também,
Crisântemos, dálias,
Violetas, e os girassóis
Acima de todas as flores...

Trecho do poema "Acordar", de Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa)

sábado, 5 de abril de 2008

Redenção pela palavra

A gente se distrai e, quando vê, está levando a vida que não queria. Mas, assim como a distração, a redenção também vem. Pode ser uma palavra, um encontro, qualquer coisa que revele a epifania da existência e recoloque nossa alma no caminho. No meu caso, foram textos. Já não sabia por que estava fazendo o que estava fazendo, mas foi ler alguns textos e eu lembrei exatamente o que queria fazer. Os textos são do jornalista e professor Marcus Vinícius Batista. São inspiradores por mostrar o poder de articulação de idéias e a capacidade de expressá-las. É bom ter modelos.
Lembrei de uma certeza que me veio quando eu li A idade do serrote, do Murilo Mendes. Foi a de que o pecado maior da vida é ser menos do que a gente pode ser. Essa sensação de querer ser melhor do que se é... talvez seja isso o que inspirem pessoas e textos assim.
Será que uma pessoa, ao escrever, tem consciência plena do poder que exerce sobre outras pessoas? Acredito não ser possível ter noção total do alcance de algumas palavras, e, talvez, aquele que lê vê algo muito maior do que quem escreve. Mas o caso é que, para alguém apaixonado por palavras e idéias, um texto bem escrito não apenas seduz e instiga por seu conteúdo e composição, mas também fortalece algumas convicções. No meu caso, foi a de uma paixão antiga e a razão pela qual decidi me tornar jornalista.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Música Noturna

O poder da música de nos resgatar e transportar para outras realidades já foi proclamado em prosa e verso de muita e pouca qualidade. Músicos de rua também já renderam belas crônicas. Ontem, no ônibus das onze, fui agraciada com estes dois fenômenos.
O tocador de violão cantava e tocava como se não estivesse ali. As pessoas não viam, nem ouviam, como se ele não estivesse ali. Mas a mim, ele fez o favor de emocionar com a despretensão artística e a surpresa de encontrar alegria em um lugar inusitado.
As músicas não eram lá grande coisa, mas me fizeram sorrir. Pela graça da situação. A primeira foi Borbulhas de Amor (sim, sucesso, tempos atrás, de Fagner... "tenho um coração, dividido entre a esperança e a razão. Tenho um coração, bem melhor que não tivera..."). Sem perceber, estava cantarolando junto (em pensamento, claro) e lembrando emoções antigas... E ria sozinha. Depois veio Alma Gêmea, sucesso de Peninha. Sim, eu também fiz argh acompanhado de careta ao princípio, mas lá estava eu de novo cantarolando e relembrando... A última canção salvou um pouquinho o repertório: Maluco Beleza, de Raul Seixas. A esta altura do campeonato eu já estava em outros lugares, outras épocas, e ouvir "e este caminho que eu mesmo escolhi, é tão fácil seguir por não ter aonde ir..." foi a cereja do bolo.
Voltei para casa em estado de graça.
Abençoada seja a música (mesmo as ruins. Bom, algumas ruins...) e abençoado o seresteiro ignorado do ônibus das onze...