sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Inspiração

Tarefa para a disciplina Ética e Legislação Jornalística: treinar o olhar. Escolher um elemento absolutamente banal (algo comum, não no sentido de banalizado), daqueles que estão presentes no cotidiano mas que a gente nunca repara, e observá-lo. Pode ser uma pessoa, um aspecto do ambiente, qualquer coisa. Depois de muita observação, escrever.
Para inspirar, ler textos da jornalista Eliane Brum, autora de A vida que ninguém vê, livro de reportagens que fez para o Zero Hora, sobre personagens anônimas, pequenas histórias da vida real. Mais que inspirada, fiquei apaixonada. Encantada.
Hoje a jornalista escreve para a revista Época. Procurando textos seus na Internet, encontrei este em que ela relata um retiro de meditação de dez dias que fez. "O inimigo sou eu" é o título da matéria. Seja pelo assunto, seja pelo modo de narrar, o texto é primoroso e inspirador. Uma lição de jornalismo e de vida.
Alguns trechos:

"Manter a mente no exato momento presente é um desafio: em geral, estamos no passado (nostálgicos ou lamentosos) ou no futuro (antecipando catástrofes ou adiando possibilidades). Aqui, agora, pouco estamos."

"Descobri que um universo complexo me habitava, com manifestações novas e desconhecidas. Foi como passar a vida olhando o oceano da praia e, de repente, mergulhar."

"A verdadeira felicidade, segundo a vipássana, é a paz interior conquistada pela consciência de que não podemos controlar nem o mundo nem os outros, mas podemos controlar como vamos lidar com o mundo e com os outros."

"Disse um palavrão em perfeito silêncio. E chorei pela primeira vez. Percebi como eu havia sido prepotente ao imaginar que havia atingido uma espécie de iluminação e por me achar tão importante por causa disso. É difícil explicar, mas chorei por ter me percebido demasiado humana."

"Nessa guerra no território do corpo, o inimigo era eu. Parar de sofrer dependia apenas de mim. E eu tinha acabado de descobrir que, ao contrário do que eu acreditara até então, eu não era resistente à dor. Sempre fui orgulhosa demais para admitir que sentia dor, porque sempre confundi fragilidade com fracasso. Chorei de novo. Dessa vez, porque percebi que essa era a luta mais difícil."

"Era difícil tornar qualquer coisa permanente depois de compreender – de forma tão radical – a impermanência da realidade. Eu, que me tornei jornalista na ânsia de capturar o real, me encontrei nesse impasse. Escrever era tornar permanente o momento, o acontecimento fugaz, era impedir que algo fosse embora. Parecia impossível voltar a fazer isso."

"Neste momento, sinto minha vida mais larga. Cada dia é longo. Tenho dificuldade de me concentrar no que aconteceu ontem, e a próxima semana está longe. Percebo imediatamente quando estou vivendo algo especial, coisas muito simples que antes não perceberia. E descarto os acontecimentos desagradáveis no minuto seguinte. Quando sinto medo ou ansiedade, sei que vai passar. Só essa certeza já reduz os monstros à metade do seu tamanho."

"Este é apenas o relato de uma viagem para um lugar bem exótico – meu corpo. Você poderia estar lendo sobre uma circunavegação da Antártica ou a escalada da parede sul do Aconcágua. Mas esta é uma expedição de dez dias, mais de cem horas de olhos fechados, sem sair do lugar e sempre para dentro. Ao avesso de qualquer outra aventura, quanto mais longe, mais perto estava de mim. Neste mundo em que todas as geografias já foram devassadas – e a maioria delas devastada – talvez este seja um desafio mais real."

Aqui vai o link para a matéria completa:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG80874-8055-503-1,00-O+INIMIGO+SOU+EU.html

2 comentários:

Marcus Vinicius Batista disse...

Rose,

Fantástico o texto da Eliane Brum. E mais sensacional ainda: a importância dada por você a um exercício aparentemente simples, mas que pode deixar marcas profundas em um jornalista, ou melhor, em um ser humano.

Abraço, Marcus Vinicius

Rose Marques disse...

Sim, ela é fantástica! Junto com os seus, os textos dela já fazem parte da minha caixa de inspiração.
As marcas já estão sendo deixadas...
Abraço,
Rose