segunda-feira, 22 de dezembro de 2008


"A infelicidade é uma questão de prefixo."


(Guimarães Rosa)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Ausência

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces.
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

Vinícius de Moraes

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

O ator e o poeta

No palco, Ayrton Salvanini: Vinícius de Moraes.
O ator mambembe, de tão raro, quase não existe. Diz viver para a força e a beleza da palavra. Seus espetáculos - doze ao total - resumem-se a isto: o palco e a poesia. Poesia que povoou meus quinze anos em apresentações na escola Martim Afonso. Com ele, fui seduzida por Fernando Pessoa e seus heterônimos. Com ele, vivi a grandiosidade e o frenesi da Semana de 22. Com ele, a poesia ganhou corpo e eu senti a palavra pulsando dentro do meu ser.
Já pensava que era apenas uma boa lembrança. Reencontrá-lo, ontem, no palco do Sesc, não foi voltar ao passado. Foi viver, mais uma vez e sempre, a poesia. Desta vez, a de Vinícius. Ver o ator encarnar o poetinha, declamando Operário em construção, recitando Para viver um grande amor, entre outros textos, ou cantando suas canções, sempre acompanhado de seu filho - "músico, graças a Deus!" -, fez sentir a beleza e a força da palavra. Ouvir o poeta fez lembrar, mais que a paixão, a passionalidade de um jeito de ser que simplesmente não aceita a vida pela metade.


quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Para entrar na lista dos favoritos



"Apenas Uma Vez resulta assim não um longa que usa a música apenas como linguagem, mas um que a emprega também como tema. O romance é menos físico e mais pelo processo criativo. O relacionamento se torna colaboração - e há poucas coisas tão românticas quanto isso." (Érico Borgo)







Falling Slowly (Glen Hansard/Marketa Irglova)
I don't know you
But I want you
All the more for that
Words fall through me
And always fool me
And I can't react
And games that never amount
To more than they're meant
Will play themselves out
Take this sinking boat and point it home
We've still got time
Raise your hopeful voice you have a choice
You'll make it now
Falling slowly, eyes that know me
And I can't go back
Moods that take me and erase me
And I'm painted black
You have suffered enough
And warred with yourself
It's time that you won
Take this sinking boat and point it home
We've still got time
Raise your hopeful voice you had a choice
You've made it now
Falling slowly sing your melody
I'll sing along

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Pais e filhos e sonhos de bicicletas

Ontem, estava lendo A Cidade Vazia, livro de crônicas de Fernando Sabino. Em "A bicicleta", ele conta a história, tirada de uma notícia de jornal, de um homem pobre, preso por tentar roubar uma bicicleta que daria ao filho como presente de Natal, há muitos anos prometida. É o tipo de história que me comove: pais e filhos e sonhos de bicicletas.
Pois bem. Hoje, fui na bicicletaria levar minha bicicleta para trocar a câmara do pneu. Aguardava o conserto na porta da loja, quando se aproximaram duas bicicletas: um pai e um filho. "Dá uma olhada e diz pra mim qual que te apaixona", disse o pai. O inusitado da proposta me fez sorrir. O menino, mais surpreso que feliz, parecia não entender e permaneceu parado. O pai repetiu e completou, sorrindo para ele e para mim: "Quero te dar uma bicicleta nova". A sua era realmente velha e já estava ficando pequena. Com a insistência do pai, o filho entrou na loja e começou a olhar as bicicletas, uma por uma. O menino examinava com cuidado e parecia indeciso, ainda duvidando da possibilidade verdadeira de ganhar uma bicicleta nova. Acho que se apaixonou por uma vermelha, pois foi a única em que tocou. O pai levava aquele sorriso que traduz o sentimento de dignidade e alegria por poder comprar uma bicicleta nova ao filho.
A minha bicicleta ficou pronta antes de eu me inteirar do final da história e não sei se o pai realmente comprou e qual bicicleta o filho escolheu. Mas ainda na calçada, lembrei da crônica lida no dia anterior e fiquei com os olhos cheios de lágrimas. Sim, histórias de pais e filhos e sonhos de bicicletas realmente me comovem.