sábado, 24 de julho de 2010

Lição de alegria

Hoje vivi a minha própria versão do Pequeno Príncipe.
Ao invés do deserto, o cenário era a praia. Manhã cinzenta de chuva e vento frio. Fui até o mar para deixar as pernas imersas na água, verdadeira salmoura. A praia estava praticamente vazia. Na beira da água, uma menina brincava sozinha enquanto a mãe, afastada, conversava com uma senhora. Após meia hora de terapia, quando me preparava para partir, uma vozinha me chamou. Ela não me pedia que lhe desenhasse um carneiro, mas fazia um convite: "Moça, quer enterrar os pés na areia comigo?". Fui para o raso. "A gente não precisa fazer nada, é só deixar o mar cobrir nossos pés". A sensação era de alegria gratuita, a infância mais perto que nunca. "Agora vamos pular onda?". Expliquei que não podia e mostrei os joelhos machucados. "Onde você fez isso?"."Caí de bicicleta."."Você não sabe andar de bicicleta? Então tem que usar rodinha." Ela pulava e eu afundava os pés. Cada onda era um riso. "Posso segurar a sua mão?" Ela pulava ondas maiores e se apoiava em mim. De repente parava, abria bem os braços e fazia uma inspiração profunda. "Agora vamos apreciar a praia". A pequena yoguini me ensinava mais que os livros de filosofia. Uma japonesinha de seis anos de idade, risada de guiso de estrela, olhos verde-escuros, da cor do mar. Marina, o nome dela. Apreciamos a praia, os navios ao longe, a promessa de sol e a faixa azul do céu limpo lá na linha do horizonte, os pássaros pertinho - "tá vendo?" -, o vento no rosto - "tá sentindo?". Tudo era bom. Estar ali, reconhecer cada coisa que se movia e encontrar prazer nisso eram a diversão e a aprendizagem. Ela me contou, como se fosse a coisa mais natural do mundo, que sabia voar. Tinha asas imaginárias. Uma onda mais forte e num impulso ela pulou no meu colo. Nem me importei por ela estar toda molhada e eu morrendo de frio. Brincamos mais de mar e fizemos mais um amigo, Giovani. "Agora vamos fazer castelo?", "Vamos, mas eu não posso me abaixar.","Você vai ser a juíza e me dizer se o meu castelo está bom.". Acabou fazendo macarrão. Não, era arroz e feijão. Ensinei a fazer castelo de gotinhas. "Parece um bolo de chocolate.". Conversamos sobre bolinho de chuva. Uma hora inteira de brincadeira. O vento soprava mais forte e finalmente ela admitiu que estava com frio. Decidimos ir embora, sem tristeza alguma na despedida, apenas gratidão.
Antes de começar a escrever esse texto, abri meu email e encontrei essa frase do Guimarães Rosa, enviada hoje por minha irmã:

"Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria... Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos... Essa... a alegria que ele quer."

Agradeço o presente. E agradeço à Marina, menina dos olhos da cor do mar, pela lição de alegria.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

A queda

Hoje fiz a coisa mais patética da minha vida. Já fiz muitas coisas patéticas, mas acho que consegui me superar. Caí de bicicleta! Ainda não sei exatamente como, mas do que eu consegui racionalizar da situação, resvalei numa tartaruga, escorreguei e caí. Feio! Provalmente, este foi o tombo mais idiota da história dos tombos. Uma pessoa sozinha, completamente sozinha, atropelar uma tartaruga e cair no meio da rua. Sorte não estar passando nenhum carro.
Uma cena de comédia pastelão materializada em plena avenida da praia! Para minha surpresa, não fiquei com vergonha. Sempre pensei que o pior das quedas é a vergonha de cair, mas a sensação foi de raiva misturada com um ímpeto de auto-superação. Devo ter acompanhado demais o Tour de France - que sempre tem aquelas cenas incríveis de acidente, e os ciclistas sempre continuam -, porque ainda no chão, só conseguia pensar "levanta e anda!". E foi o que eu fiz. Ainda na esquina de casa, poderia ter voltado. Mas não. Segui meu caminho. Ao dar as primeiras pedaladas, senti muita dor e pensei que o negócio poderia ser feio, e por um breve instante, me deu uma vontade infantil de chorar. Passou logo.
De repente, a única coisa verdadeira que eu sentia era dor. Não tinha mais raiva, nem auto-piedade nem necessidade de consolo. Não precisava correr para alguém para mostrar os machucados, fazer beicinho e pedir pra assoprarem na hora do methiolate. Apenas eu e minha dor. E pode parecer loucura, mas isso me fez um bem enorme. Reconheci concretamente a minha capacidade de cair e levantar!
Ao chegar ao meu destino, avaliei as consequências do meu momento de epifania. Os dois joelhos esfolados e muito machucados. E dor, muita dor. Como um tombo tão besta foi capaz de fazer um estrago tão grande?
Na hora do banho, mais dor, e finalmente dei o braço a torcer, admitindo que a revelação poderia ter vindo de uma forma mais branda. Mas mesmo agora, com a dor intensificada e as articulações comprometidas, valorizo a experiência e relembro a passagem de Grande Sertão: Veredas, que eu repetia como um mantra durante todo o trajeto, com um sorriso no rosto e um certo orgulho:

"Todo caminho da gente é resvaloso. Mas, também, cair não prejudica demais - a gente levanta, a gente sobe, a gente volta!"

domingo, 18 de julho de 2010

On the road

Finalmente, consegui ler On the road (Pé na estrada), de Jack Kerouac, um dos principais representantes da geração beat. A leitura supera qualquer coisa que se possa dizer sobre o livro. A sensação que fica é a do desejo de viver a loucura que é ser humano, guiado por uma fome insaciável de vida e pelo compromisso único de se tornar realmente autêntico.

"Eles percorriam as ruas juntos, sacando tudo com aquele jeito que tinham nesses primeiros anos, e que mais tarde se tornaria mais amargurado, penetrante e vazio. Mas, nessa época, eles dançavam pelas ruas como peões frenéticos, e eu me arrastava na mesma direção como tenho feito toda a minha vida, sempre rastejando atrás de pessoas que me interessam, porque, para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo, aqueles que nunca bocejam e jamais dizem coisas comuns, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício, explodindo como constelações em cujo centro fervilhante - pop - pode-se ver um brilho azul e intenso até que todos 'aaaaaaah!'"

"A única coisa pela qual ansiamos em nossos dias de vida, e que nos faz gemer e suspirar, sujeitos a todos os tipos de dóceis náuseas, é a lembrança de uma alegria perdida, provavelmente experimentada no útero, e que somente poderá ser reproduzida (apesar de odiarmos admitir isso) na morte. Mas quem quer morrer?"

"Amarguras, recriminações, conselhos, moralidade, tristeza - tudo lhe pesava nas costas, enquanto à sua frente se descortinava a alegria esfarrapada e extasiante de simplesmente ser."

"Relembrávamos essas coisas todas e suávamos. Tínhamos nos esquecido totalmente das pessoas sentadas à frente, e elas começaram a se perguntar o que estava se passando no assento traseiro. A certa altura, o motorista falou: - Pelo amor de Deus, vocês estão fazendo o carro balançar aí atrás. - E estávamos mesmo! O carro oscilava de um lado para outro, enquanto Dean e eu balançávamos no mesmo ritmo, e AQUILO era nossa alegria excitada e derradeira, a alegria que tínhamos de falar e viver, e que nos conduzia em direção ao transe definitivo e vazio de todas as inumeráveis partículas cerimoniais e angélicas que haviam estado soterradas no fundo de nossas almas toda a vida.
- Ah, homem! homem! homem! - balbuciou Dean. - E isso é apenas o começo... agora finalmente estamos juntos, indo para o leste, nunca tínhamos ido para o leste juntos, Sal, pense nisso, vamos curtir Denver juntos e ver o que todos estão fazendo, mesmo que isso não nos interesse muito, a questão é que nós sabemos o que AQUILO significa, e sacamos a VIDA e sabemos que tudo está ÓTIMO. - Depois, puxando-me pela manga e suando, ele me segredou: - Agora dê uma olhada nesse pessoal aí na frente. Estão preocupados, contando os quilômetros, pensando onde irão dormir esta noite, quanto dinheiro vão gastar em gasolina, se o tempo estará bom, de que maneira chegarão aonde pretendem... e, quando terminarem de pensar, já terão chegado aonde queriam, percebe? Mas eles têm que se preocupar e trair seus horários, cada minuto e cada segundo, entregando-se a tarefas aparentemente urgentes, todas falsas, ou então, a desejos caprichosos angustiados e angustiantes; suas mentes jamais descansam , não encontram paz, a não ser que se agarrem a uma preocupação explícita e comprovada, e, depois de encontrar uma, assumem expressões faciais adequadas, graves e circunspectas, e seguem em frente, e tudo isso não passa, você sabe, de pura infelicidade, e durante todo esse tempo a vida passa voando por eles, e eles sabem disso, e isso também os preocupa, num círculo vicioso que não tem fim."

***

Aproveito pra agradecer meu amigo Alexandre Moreira, que me emprestou o livro, apesar do risco declarado que corria de não mais rever seu exemplar. Gostei da prática adotada pelo Sr. Moreira de permitir que seus amigos deixem um recado na folha de rosto do livro, com uma mensagem, o nome e a data do empréstimo. Chamou minha atenção o recado de um amigo em comum, Daniel Alexandrino, antigo companheiro de debates literários. Tomo a liberdade de reproduzi-lo aqui:

"'On the Road' é... é... REVITALIZANTE, a palavra é esta. Apesar de parecer adjetivo próprio de shampoo, desta vez, tomo-a emprestada e qualifico um livro. Valeu Moreira!! (atual dono do livro; depois do famoso e público 'furto do sebo', em 95). Muito rica a leitura!! Daniel. 05/98"

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Futebol

Meninos jogando bola na rua depois da derrota
do Brasil pra Holanda.
O entusiasmo e os gritos de gol destoam da tristeza do dia.
Isso é Brasil: a seleção perde, o futebol continua.