sexta-feira, 8 de abril de 2011

Aprendiz de Alberto Caeiro

Hoje, Marcéu e eu demos o nosso primeiro passeio no parque. A intenção era fazer ele dormir depois do almoço. Marcéu é o meu sobrinho lindo, de quase um ano, filho da minha irmã, que escolheu esse nome porque queria juntar o mar e o céu em uma só pessoa. Os pais da cantora Ceumar tiveram a mesma ideia. Eu brincava com a minha irmã, dizendo que ele seria a linha do horizonte. ..
Dia de outono perfeito, com sol, céu azul e brisa fresquinha. O passeio pelo Parque Ipupiara (a Praça 22 de Janeiro, lugar que marcou a minha infância) foi um deslumbre para os olhos. Os do Marcéu e, por causa dele, os meus também. Tudo chamava a atenção, tudo tinha o seu encanto. As árvores, os pássaros, os peixinhos, os anões e a Branca de Neve, os cachorros que passavam, as crianças que brincavam. Até aquele monstro horrível do Ipupiara se tornou uma atração.
Depois, fomos até a Biquinha. O Marcéu, que, no parque, já tinha gostado muito do Benedito Calixto, então se encantou com o Padre Anchieta. E pediu pela água fresca da bica, saída da boca de um leão e servida na mão em conchinha.
Seguimos para o deque dos pescadores. Mais atrações irresistíveis para os olhos. O mar, os barquinhos, as gaivotas e garças no céu, os pescadores e as varas de pescar. Fascinado, ele tentava compreender aquele negócio com fio comprido que era lançado para trás e arremessado para frente com uma bola colorida na ponta.
No último trecho do caminho de volta para casa, o Marcéu dormiu. Deve ter sonhado com árvores e pássaros e peixes e varas de pescar...
Dia de prazer puro e simples. Lição de olhar e ver tudo muito bem. Como o Alberto Caeiro, para quem aprender a ver (e desaprender a pensar) é a maior filosofia. Não é à toa que ele é considerado mestre por Álvaro de Campos, outro heterônimo de Fernando Pessoa. Hoje, os aprendizes fomos nós, mas desconfio que o mestre, no fundo, no fundo, tenha aprendido essa lição com os pequenos...

*

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo.

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...

(Poema II, do livro O Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro)

*

(Comentário à parte... Depois, tenho que escrever também sobre o Miguel, meu outro sobrinho lindo, de 5 anos, filho do meu irmão. Já falei aqui sobre o meu "rei da piscina", mas ultimamente ele anda mais para caçador de aranhas e super-herói da Marvel... Digo isso porque descobri que, quando se trata de sobrinhos, tudo o que a gente faz para um, tem que fazer para o outro, mesmo que seja mordida no pé ou ataque de cócegas...
Mais um comentário. Com estas duas criaturinhas enchendo nossa vida de amor e alegria, minha mãe deu para me perguntar quando vai ser a minha vez. Falta uma neta, é o que ela diz. Bom, não sei quando vai ser a minha vez, nem sequer se eu vou ter vez. Mas é com alegria e gratidão que digo que, no momento atual da minha vida, não só fiquei para titia, mas simplesmente nasci para ser a tia do Miguel e do Marcéu.)

6 comentários:

Rosa Marques disse...

Amo vc.

Randal - Verde Maduro disse...

Será que dá conta de mais um sobrinho ou sobrinha que está por vir?

Jack disse...

Gostei do blog, das abordagens!
Vou começar a frequentar mais aqui!
Comentei num texto sobre o 'Vagabundos Iluminados' aqui..
E gostaria de te convidar para ler este texto >
http://thesadparadise.blogspot.com/

que também é sobre o Vagabundos..

Jack disse...

Bá que coincidência! Eu estou sempre ouvindo Bob Dylan.. rss
Mas pô que ótimo que tu gostou! O trecho final do meu texto (citação do Vagabundos Iluminados) copiei do teu post! rss
Valeu.. brigado or seguir..
eu posto seguido.. continua lendo e comentando..
Aqui em baixo tem outro texto que publiquei hoje "América de Allen Ginsberg" é muito interessante..
é meio que um diálogo com o velho!

Lorrayne França disse...

Nossa, Rose, com essa descrição da praça, da bica e tudo mais, tô morrendo de vontade de conhecer essa São Vicente. Nunca vi a Cidade tão linda assim...

Akemi disse...

Olá, Rose, saudade de ti... faz tempo q nw passava por aki... Seus textos continuam lindos, pois que cheios de emoção emocionam sempre.
Beijos amiga linda