domingo, 26 de junho de 2011

A arte de amar

O amor é uma arte que pode ser aprendida? Para o psicanalista Erich Fromm, sim. 
Em A arte de amar,  ele defende que o amor "não é um sentimento em que qualquer um se possa comprazer, sem levar em conta o nível de maturidade que alcançou". O amor, portanto, depende do desenvolvimento da personalidade integral do homem e de sua capacidade de amar, a partir de uma postura de humildade, coragem, fé e disciplina. "Numa cultura em que tais qualidades são raras, o alcance da capacidade de amar deve permanecer uma conquista rara. Ou... qualquer um pode perguntar a si mesmo quantas pessoas tem conhecido que verdadeiramente amam."

A concepção de que não é preciso aprender a amar está sustentada por duas premissas. A primeira é a de que o problema do amor é, não o de amar, mas o de como ser amado (e por isso os inúmeros esforços para se tornar "amável", que podem ser resumidos em se tornar atraente e ter sucesso). A segunda é a de que o problema do amor é a de um objeto, não de uma faculdade. "Pensa-se que amar é simples, mas que é difícil encontrar o objeto certo a amar — ou pelo qual ser amado."

Um dos erros relacionados à ideia de que não se aprende a amar é a confusão entre se apaixonar e permanecer apaixonado. 

"Se duas pessoas estranhas uma à outra, como todos somos, subitamente deixam ruir a parede que as separa e se sentem próximas, se sentem uma só, esse momento de unidade é uma das mais jubilosas e excitantes experiências da vida. É tudo o que há de mais admirável e miraculoso para quem tem estado fechado em si, isolado, sem amor. Esse milagre de súbita intimidade é muitas vezes facilitado quando se combina, ou se inicia, com a atração sexual e sua satisfação. Contudo, tal tipo de amor, por sua própria natureza, não é duradouro. As duas pessoas tornam-se bem conhecidas, sua intimidade perde cada vez mais o caráter miraculoso, e seu antagonismo, suas decepções, seu mútuo fastio acabam por matar tudo quanto restava da excitação inicial. Entretanto, no começo, elas de nada disso sabem; de fato, tomam a intensidade da paixão, a 'loucura' que sentem uma pela outra, como prova da intensidade de seu amor, quando isso apenas provaria o grau de sua anterior solidão."

A teoria fundamental a respeito do amor é a de que ele é a solução criada pelo homem para o problema da existência humana, ou seja, uma tentativa de superar a separação essencial. 

"Essa consciência de si mesmo como entidade separada, a consciência de seu próprio e curto período de vida, do fato de haver nascido sem ser por vontade própria e de ter de morrer contra sua vontade, de ter de morrer antes daqueles que ama, ou estes antes dele, a consciência de sua solidão e separação, de sua impotência ante as forças da natureza e da sociedade, tudo isso faz de sua existência apartada e desunida uma prisão insuportável. Ele ficaria louco se não pudesse libertar-se de tal prisão e alcançar os homens, unir-se de uma forma ou de outra com eles, com o mundo exterior."

A consciência da separação é, portanto, fonte de toda a ansiedade humana, dando origem a um problema fundamental, o de como transcender a própria vida individual e reencontrar a unidade. Para Fromm, o amor é a principal resposta. Outra resposta possível - e a mais comum - à solidão e ao anseio de união está no conformismo de rebanho.

"Só se pode compreender a força do medo de ser diferente, do medo de estar que poucos passos fora do rebanho, quando se compreendem  as profundidades da necessidade de não ser separado.  (...) Na maioria, o povo nem sequer tem consciência de sua necessidade de conformar-se. Vive sob a ilusão de seguir suas próprias idéias e inclinações, de ser individualista, de ter chegado a suas opiniões como resultado de seus próprios pensamentos — apenas acontecendo que suas idéias são as mesmas da maioria. O consenso de todos serve como prova da correção de 'suas' ideias. Havendo ainda necessidade de sentir certa individualidade, essa necessidade é satisfeita com relação a diferenças menores; o monograma na pasta ou no suéter, a placa com o nome do caixa do banco, o fato de pertencer ao Partido Democrático contra o Republicano, ou a esta associação em vez de àquela, tornam-se expressão de diferenças individuais. O 'slogan' de anúncios de que uma coisa 'é diferente' demonstra essa necessidade patética de diferença, quando na realidade quase nenhuma resta."

Todas as tentativas de conseguir a unidade são parciais. A única resposta completa está na "realização da unidade interpessoal, da fusão com outra pessoa: está no amor." Mas nem toda forma de fusão interpessoal é necessariamente amor. Para Fromm, amor é fruto de maturidade, enquanto outras formas imaturas de amor são chamadas de união simbiótica. 

"A forma passiva da união simbiótica é a da submissão, ou, se usarmos  um termo clínico, a do masoquismo. A pessoa masoquista foge ao insuportável sentimento de isolamento e separação tornando-se parte e porção de outra pessoa, que a dirige, guia, protege; que, em suma, é sua vida e seu oxigênio. O poder daquele a quem alguém se submete é expandido, trate-se de uma pessoa ou de um deus; é tudo, e o submisso nada, exceto naquilo em que é parte dele. Como parte, é parcela da grandeza, da força, da certeza. A pessoa masoquista não tem de tomar decisões, não precisa assumir quaisquer riscos; nunca está só — mas não é independente; não tem integridade; ainda não nasceu de todo. (...) Pode haver submissão masoquista ao destino, à enfermidade, à música rítmica, ao estado orgíaco produzido por drogas ou sob transe hipnótico: em todos esses exemplos a pessoa renuncia à sua integridade, torna-se o instrumento de alguém ou de algo fora dela própria; não precisa de resolver o problema de viver por meio da atividade produtiva.
A forma ativa da fusão simbiótica é a dominação, ou, para empregar o termo psicológico correspondente ao masoquismo, o sadismo. A pessoa sadista quer escapar de sua solidão e de sua sensação de encarceramento, fazendo de outra pessoa uma parte, uma parcela de si mesma. Expande-se e valoriza-se incorporando outra pessoa, que a adora.
A pessoa sadista depende tanto da pessoa submissa quanto esta daquela; uma não pode viver sem a outra. A diferença só está em que a pessoa sadista ordena, explora, fere, humilha, e a masoquista é mandada, explorada, ferida, humilhada. Tal diferença é considerável num sentido realista; num sentido emocional mais profundo, a diferença não é tão grande quanto o que ambas têm em comum: fusão sem integridade."

O amor vai além:

"Em contraste com a união simbiótica, o amor amadurecido é união sob a condição de preservar a integridade própria, a própria individualidade. O amor é uma força ativa no homem; uma força que irrompe pelas paredes que separam o homem de seus semelhantes, que o une aos outros; o amor leva-o a superar o sentimento de isolamento e de separação, permitindo-lhe, porém, ser ele mesmo, reter sua integridade. No amor, ocorre o paradoxo de que dois seres sejam um e, contudo, permaneçam dois."

Aproveitando os conceitos de Spinoza de afetos ativos ("ações") e passivos ("paixões"), Fromm reafirma o caráter do amor como ação, como "prática de um poder humano, que só pode ser exercido na liberdade e nunca como resultado de uma compulsão". E, enquanto ação, o amor implica cuidado, responsabilidade, respeito e conhecimento.

"Respeitar uma pessoa não é possível sem conhecê-la; cuidado e responsabilidade seriam cegos se não fossem guiados pelo conhecimento. O conhecimento seria vazio se não fosse motivado pela preocupação. Há muitas camadas de conhecimento; o conhecimento que é um aspecto do amor é aquele que não fica na periferia, mas penetra até o âmago. Só é possível quando posso transcender a preocupação por mim mesmo e ver a outra pessoa em seus próprios termos."

Amar é, portanto, não apenas um exercício de conhecimento, mas a forma mais elevada de conhecimento.

"O amor é penetração ativa na outra pessoa, em que meu desejo de conhecer é distilado pela união. No ato da fusão, eu te conheço, eu me conheço, conheço a todos — e nada 'conheço'. Conheço pelo único meio por que é possível, para o homem, o conhecimento do que é vivo — pela experiência da união —, e não por qualquer conhecimento que nosso pensamento possa dar. O sadismo é motivado pelo desejo de conhecer o segredo, e contudo permaneço tão ignorante quanto antes era. Despedacei o outro ser membro a membro, e entretanto tudo o que fiz foi destruí-lo. O amor é o único meio de conhecimento que, no ato da união, responde à minha pergunta. No ato de amar, de dar-me, no ato de penetrar a outra pessoa, encontro-me, descubro-me, descubro-nos a ambos, descubro o homem."

Além do amor erótico, From analisa o amor fraterno, materno e de Deus, reforçando a relação entre a atividade do amor e a integridade do ser. 

"O amor não é, principalmente, uma relação para com uma pessoa específica; é uma atitude, uma orientação de caráter, que determina a relação de alguém para com o mundo como um todo, e não para com um 'objeto' de amor. Se uma pessoa ama apenas a uma outra pessoa e é indiferente ao resto dos seus semelhantes, seu amor não é amor, mas um afeto simbiótico, ou um egoísmo ampliado. Contudo, a maioria crê que o amor é constituído pelo objeto e não pela faculdade. De fato, acredita-se mesmo que a prova da intensidade do amor está em não amar ninguém além da pessoa 'amada'. (...) Por não se ver que o amor é uma atividade, uma força da alma, acredita-se que tudo quanto é necessário encontrar é o objeto certo — e tudo o mais irá depois por si. 
(...) Se verdadeiramente amo alguém, então amo a todos, amo o mundo, amo a vida. Se posso dizer a outrem, 'Eu te amo', devo ser capaz de dizer: 'Amo em ti a todos, através de ti amo o mundo, amo-me a mim mesmo em ti'."

A sociedade atual, ditada pelas regras e lógica do capitalismo, caracteriza-se, principalmente, pelas formas de pseudo-amor ou de desintegração do amor. O amor, assim, torna-se um artigo de luxo, substituído por relações de consumo, em que é possível "trocar seus 'fardos de personalidade' e esperar um bom negócio."

"Toda esta espécie de relações, na verdade, vem a dar na bem lubrificada relação entre pessoas que permanecem estranhas a vida inteira, que nunca chegam a uma 'relação central', mas que mutuamente se tratam com cortesia e que tentam fazer com que a outra pessoa se sinta melhor. Neste conceito de amor e casamento, a principal ênfase é colocada no encontro de um refúgio para o que, de outra forma, seria insuportável sentimento de solidão. No 'amor' encontra-se, afinal, um porto ao abrigo da solidão. Forma-se uma aliança de dois contra o mundo, e esse egoísmo a dois é enganosamente tomado por amor e intimidade."

Apesar do quadro atual desfavorável ao amor, como toda arte, ele pode ser aprendido. Disciplina, concentração, paciência e preocupação suprema com o domínio da arte são as principais premissas para se aprender a amar. Mas, quando se trata de amor, não há receitas, nem prescrições. 

"Amar é uma experiência pessoal que cada qual só pode ter por si e para si; de fato, quase não há quem não tenha tido tal experiência, de modo rudimentar pelo menos, como criança, adolescente, ou adulto. O que a discussão da prática do amor pode fazer é examinar as premissas da arte de amar, o meio de rumar para ela, por assim dizer, e a prática dessas premissas e marchas. Os passos para a meta só podem ser praticados por quem os vai dar e a discussão termina antes que se dê o passo decisivo."

Algumas condiçõçes específicas para se desenvolver a capacidade de amar são a superação do narcisismo, o desenvolvimento da humildade, da objetividade e da razão, a capacidade de crescer e seguir uma orientação produtiva em nossas relações para com o mundo e para conosco mesmos. E fé. 

"Que é fé? Será a fé, necessariamente, uma questão de crença em Deus ou em doutrinas religiosas? Estará a fé, por força, em contraste com a razão e o pensamento racional, ou divorciada deles? (...) a fé racional é uma convicção enraizada na própria experiência que se tem de pensamento ou sentimento. A fé racional não é primordialmente a crença em algo, mas a qualidade de certeza e firmeza que nossas convicções possuem. Fé é um traço de caráter que embebe toda a personalidade, em vez de uma crença específica.
(...) Ter fé requer coragem, a capacidade de correr um risco, a disposição de aceitar mesmo a dor e a decepção. Quem quer que insista na incolumidade e na segurança como condições primárias de vida não pode ter fé; quem quer que se feche num sistema de defesa, em que a distância e a possessividade sejam seus principais meios de segurança, faz de si um prisioneiro. Ser amado e amar requerem coragem, a coragem de julgar certos valores como sendo de extrema preocupação, de saltar à frente e apostar tudo nesses valores."

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Minhas tardes com Margueritte

"Um encontro pouco comum, entre o amor e a ternura, não tinha outra coisa. Tinha nome de flor e vivia entre as palavras. Adjetivos rebuscados, verbos que cresciam como a grama, alguns ficavam. Entrou suavemente desde o córtex até o meu coração.
Nas histórias de amor há mais que amor. Às vezes não há nenhum 'eu te amo', mas se amam.
Um encontro pouco comum. Eu a conheci por acaso no parque. Ela não ocupava muito espaço, era do tamanho de uma pomba com as suas penas. Envolta em palavras, em nomes, como o meu. Ela me deu um livro, e outro, e as páginas se iluminaram. Não morra agora, há tempo, espere. Não é a hora, florzinha. Me dê um pouco mais de você. Me dê um pouco mais de sua vida. Espere.
Nas histórias de amor há mais que amor. Às vezes não há nenhum 'eu te amo', mas se amam."

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Nada dizia e não pensava. Uma sequência de pensamentos, de ideias, de evidências voava em liberdade, atravessava-a como nuvens no céu, como outrora, nas suas conversações noturnas. Era justamente isto que outrora lhe trazia a felicidade e a liberdade. Um conhecimento ardente que não vinha da inteligência e que eles inculcavam um ao outro. Instintivo, direto.
(...) Que amor tinham eles conhecido, livre, raro, incomparável! Entendiam-se como outros cantam. Amaram-se, não porque não podiam agir de outro modo, não porque estivessem "abrasados pela paixão", como se diz, pintando falsamente o amor. Amavam-se porque tudo em redor deles o queria: a terra sob seus pés, o céu por cima de suas cabeças, as nuvens, as árvores.
(...) Era isso o essencial, era isso que os aproximava e os unia. Jamais, mesmo na felicidade mais generosa, mais louca, jamais tinham esquecido seu mais alto, seu mais comovente sentimento: o sentimento bem-aventurado de que ajudavam também eles a plasmar a beleza do mundo, que tinham uma relação profunda com o conjunto, com toda a beleza, com o universo inteiro.

(Doutor Jivago, Boris Pasternak)

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Amor líquido

"Sem humildade e coragem não há amor."  (Zygmunt Bauman)

Na liquidez atual do mundo, em que predominam o consumismo, a velocidade e a negação de tudo que é sólido e durável, como caracterizar as relações amorosas?
Em Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman analisa a precariedade dos vínculos humanos e o modo como os relacionamentos são atualmente construídos a partir da dualidade fundamental entre o desejo de relacionar-se e as ansiedades e inseguranças inerentes a este desejo.

"'Relacionamento' é o assunto mais quente do momento, e aparentemente o único jogo que vale a pena, apesar de seus óbvios riscos. (...) hoje em dia as atenções humanas tendem a se concentrar nas satisfações que esperamos obter das relações precisamente porque, de alguma forma, estas não têm sido consideradas plena e verdadeiramente satisfatórias. E, se satisfazem, o preço disso tem sido com freqüência considerado excessivo e inaceitável."

Os relacionamentos seguem a lógica do consumo, em que prevalecem os impulsos de compra, a velocidade e, acima de tudo, a descartabilidade dos produtos:

"E assim é numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados, receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro. A promessa de aprender a arte de amar é a oferta (falsa, enganosa, mas que se deseja ardentemente que seja verdadeira) de construir a 'experiência amorosa' à semelhança de outras mercadorias, que fascinam e seduzem exibindo todas essas características e prometem desejo sem ansiedade, esforço sem suor e resultados sem esforço."

Além da racionalidade do consumo, os relacionamentos são também determinados pela cultura das redes, em que relações são substituídas por conexões, e estar conectado é, em si mesmo, mais importante do relacionar-se, de fato, com outras pessoas:

"Há sempre mais conexões para serem usadas — e assim não tem grande importância quantas delas se tenham mostrado frágeis e passíveis de ruptura. O ritmo e a velocidade do uso e do desgaste tampouco importam. Cada conexão pode ter vida curta, mas seu excesso é indestrutível. Em meio à eternidade dessa rede imperecível, você pode se sentir seguro diante da fragilidade irreparável de cada conexão singular e transitória."

A transitoriedade das relações parece ser compensada pela estimulante experimentação de diferentes e sucessivos casos amorosos:

"A súbita abundância e a evidente disponibilidade das 'experiências amorosas' podem alimentar (e de fato alimentam) a convicção de que amar (apaixonar-se, instigar o amor) é uma habilidade que se pode adquirir, e que o domínio dessa habilidade aumenta com a prática e a assiduidade do exercício. Pode-se até acreditar (e freqüentemente se acredita) que as habilidades do fazer amor tendem a crescer com o acúmulo de experiências e que o próximo amor será uma experiência ainda mais estimulante do que a que estamos vivendo atualmente, embora não tão emocionante ou excitante quanto a que virá depois.
Essa é, contudo, outra ilusão... O conhecimento que se amplia juntamente com a série de eventos amorosos é o conhecimento do 'amor' como episódios intensos, curtos e impactantes, desencadeados pela consciência a priori de sua própria fragilidade e curta duração."

Assim, esta mera "aquisição de habilidades" amorosas acaba configurando uma desaprendizagem do amor.

"(...) não é ansiando por coisas prontas, completas e concluídas que o amor encontra o seu significado, mas no estímulo a participar da gênese dessas coisas. O amor é afim à transcendência; não é senão outro nome para o impulso criativo e como tal carregado de riscos, pois o fim de uma criação nunca é certo."

Amor, portanto, não significa ausência das ansiedades e inseguranças inerentes aos relacionamentos, mas uma postura de humildade e coragem diante delas e de aceitação da liberdade e do mistério do outro:

"Em todo amor há pelo menos dois seres, cada qual a grande incógnita na equação do outro. É isso que faz o amor parecer um capricho do destino – aquele futuro estranho e misterioso, impossível de ser descrito antecipadamente, que deve ser realizado ou protelado, acelerado ou interrompido. Amar significa abrir-se ao destino, a mais sublime de todas as condições humanas, em que o medo se funde ao regozijo num amálgama irreversível. Abrir-se ao destino significa, em última instância, admitir a liberdade no ser: aquela liberdade que se incorpora no Outro, o companheiro no amor."

Resta saber se estamos dispostos a superar o estado líquido do mundo e construir um amor sólido...

*
Em Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos, Bauman estende sua análise para além dos relacionamentos amorosos, e discute temas como solidariedade, o preceito do "amor ao próximo", a moral nas relações humanas, a relação entre problemas globais e locais, em especial, a questão do "estranho", do "estrangeiro" e das políticas xenofóbicas atualmente em voga.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A verdadeira nudez

"Para começar, uma afirmação de Nietzsche, com a qual concordo inteiramente. Dizia ele: 'Ao pensar sobre a possibilidade do casamento, cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: 'Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até a sua velhice?' Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar.'
(...) A música dos sons ou da palavra - é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o amor que ressuscita sempre, depois de morrer. Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras. E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: 'Eu te amo, eu te amo...' Barthes advertia: 'Passada a primeira confissão, 'eu te amo' não quer dizer mais nada.' É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: "Erótica é a alma."

(O retorno e terno, Rubem Alves)

terça-feira, 7 de junho de 2011

Outubro, 27, à tarde

Tenho-a toda em mim, e o sentimento que experimento por ela absorve tudo. Tenho-a toda em mim, e sem ela tudo é para mim como se não existisse.

Dezembro, 6
Como a sua imagem me persegue! Quer vele, quer sonhe, ela enche a minha alma inteira! É quando fecho os olhos, neste ponto da minha fronte onde se concentra a vista interior, que vejo seus olhos negros. Neste ponto! Não posso exprimir-lhe isto. Cada vez que cerro os olhos, eles lá estão, abrem-se diante de mim, em mim, como um oceano, como um abismo; não sinto outra coisa senão eles no meu cérebro.
Que é o homem, esse semideus tão louvado? Não lhe faltam as forças precisamente quando lhe são mais necessárias? Quando ele toma alento na alegria, ou se abisma na dor, não se imobiliza num ou noutro sentido e retoma a banal e fria consciência de si mesmo, no momento exato em que aspira a perder-se na plenitude do infinito?

(Werther, de Goethe. Livro considerado marco inicial do romantismo, ajudou a consolidar o conceito de amor arrebatador, levado às últimas consequências. Também inspirou uma onda de suicídios entre românticos...)