segunda-feira, 13 de junho de 2011

Amor líquido

"Sem humildade e coragem não há amor."  (Zygmunt Bauman)

Na liquidez atual do mundo, em que predominam o consumismo, a velocidade e a negação de tudo que é sólido e durável, como caracterizar as relações amorosas?
Em Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman analisa a precariedade dos vínculos humanos e o modo como os relacionamentos são atualmente construídos a partir da dualidade fundamental entre o desejo de relacionar-se e as ansiedades e inseguranças inerentes a este desejo.

"'Relacionamento' é o assunto mais quente do momento, e aparentemente o único jogo que vale a pena, apesar de seus óbvios riscos. (...) hoje em dia as atenções humanas tendem a se concentrar nas satisfações que esperamos obter das relações precisamente porque, de alguma forma, estas não têm sido consideradas plena e verdadeiramente satisfatórias. E, se satisfazem, o preço disso tem sido com freqüência considerado excessivo e inaceitável."

Os relacionamentos seguem a lógica do consumo, em que prevalecem os impulsos de compra, a velocidade e, acima de tudo, a descartabilidade dos produtos:

"E assim é numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados, receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro. A promessa de aprender a arte de amar é a oferta (falsa, enganosa, mas que se deseja ardentemente que seja verdadeira) de construir a 'experiência amorosa' à semelhança de outras mercadorias, que fascinam e seduzem exibindo todas essas características e prometem desejo sem ansiedade, esforço sem suor e resultados sem esforço."

Além da racionalidade do consumo, os relacionamentos são também determinados pela cultura das redes, em que relações são substituídas por conexões, e estar conectado é, em si mesmo, mais importante do relacionar-se, de fato, com outras pessoas:

"Há sempre mais conexões para serem usadas — e assim não tem grande importância quantas delas se tenham mostrado frágeis e passíveis de ruptura. O ritmo e a velocidade do uso e do desgaste tampouco importam. Cada conexão pode ter vida curta, mas seu excesso é indestrutível. Em meio à eternidade dessa rede imperecível, você pode se sentir seguro diante da fragilidade irreparável de cada conexão singular e transitória."

A transitoriedade das relações parece ser compensada pela estimulante experimentação de diferentes e sucessivos casos amorosos:

"A súbita abundância e a evidente disponibilidade das 'experiências amorosas' podem alimentar (e de fato alimentam) a convicção de que amar (apaixonar-se, instigar o amor) é uma habilidade que se pode adquirir, e que o domínio dessa habilidade aumenta com a prática e a assiduidade do exercício. Pode-se até acreditar (e freqüentemente se acredita) que as habilidades do fazer amor tendem a crescer com o acúmulo de experiências e que o próximo amor será uma experiência ainda mais estimulante do que a que estamos vivendo atualmente, embora não tão emocionante ou excitante quanto a que virá depois.
Essa é, contudo, outra ilusão... O conhecimento que se amplia juntamente com a série de eventos amorosos é o conhecimento do 'amor' como episódios intensos, curtos e impactantes, desencadeados pela consciência a priori de sua própria fragilidade e curta duração."

Assim, esta mera "aquisição de habilidades" amorosas acaba configurando uma desaprendizagem do amor.

"(...) não é ansiando por coisas prontas, completas e concluídas que o amor encontra o seu significado, mas no estímulo a participar da gênese dessas coisas. O amor é afim à transcendência; não é senão outro nome para o impulso criativo e como tal carregado de riscos, pois o fim de uma criação nunca é certo."

Amor, portanto, não significa ausência das ansiedades e inseguranças inerentes aos relacionamentos, mas uma postura de humildade e coragem diante delas e de aceitação da liberdade e do mistério do outro:

"Em todo amor há pelo menos dois seres, cada qual a grande incógnita na equação do outro. É isso que faz o amor parecer um capricho do destino – aquele futuro estranho e misterioso, impossível de ser descrito antecipadamente, que deve ser realizado ou protelado, acelerado ou interrompido. Amar significa abrir-se ao destino, a mais sublime de todas as condições humanas, em que o medo se funde ao regozijo num amálgama irreversível. Abrir-se ao destino significa, em última instância, admitir a liberdade no ser: aquela liberdade que se incorpora no Outro, o companheiro no amor."

Resta saber se estamos dispostos a superar o estado líquido do mundo e construir um amor sólido...

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Em Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos, Bauman estende sua análise para além dos relacionamentos amorosos, e discute temas como solidariedade, o preceito do "amor ao próximo", a moral nas relações humanas, a relação entre problemas globais e locais, em especial, a questão do "estranho", do "estrangeiro" e das políticas xenofóbicas atualmente em voga.

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