quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O silêncio da Centre Court

“O que chama a atenção quando se joga na quadra central de Wimbledon é o silêncio.  Você bate a bola contra o gramado e não se ouve nenhum som; lança-a ao ar para sacar; golpeia e escuta o eco do golpe. E depois disso, o eco de cada golpe posterior, os seus e os do adversário.  Clac... clac; clac... clac. A grama bem cortada, a história do lugar, a entrada do estádio, o uniforme branco dos jogadores, a multidão respeitosamente calada, a tradição venerável – não há um único anúncio publicitário –, tudo se combina para você se fechar e isolar do mundo exterior. Esta sensação me faz bem; esse silêncio de catedral que reina na Centre Court convém ao meu jogo. Porque em uma partida de tênis, a batalha mais amarga que enfrento é com as vozes que ressoam dentro da minha cabeça: você quer silenciar tudo dentro da mente, eliminar tudo menos a competição, quer concentrar cada átomo do seu ser no ponto que está jogando. Se cometi um erro no ponto anterior, esqueço; se se insinua no fundo de minha cabeça a ideia da vitória, a reprimo.
O silêncio da Centre Court se rompe quando termina a luta pelo ponto. Se foi um bom ponto – os espectadores de Wimbledon conhecem a diferença –, explode o clamor: aplausos, aclamações, gente que grita o seu nome. Escuto, mas é como se viesse de um lugar distante. Não sou consciente de que tem quinze mil pessoas na expectativa no recinto, seguindo com o olhar cada movimento meu e do meu rival. Estou tão concentrado que não tomo conhecimento – não como agora quando recordo a final de 2008 contra Roger Federer, a maior partida da minha vida – de que há milhões de pessoas em todo o mundo me olhando.”

“Poderia se pensar que, depois de golpear milhões e milhões de bolas, devo saber de memória os golpes básicos e que dar um golpe certeiro, limpo e seguro, é fácil, mas não é assim. Não apenas porque cada dia a gente levanta com um ânimo diferente, mas porque cada golpe é distinto; cada um é único. Desde  o momento em que a bola se põe em movimento, corre em sua direção descrevendo um número infinito de ângulos possíveis e uma quantidade infinita de velocidades possíveis; pode chegar com topspin ou com efeito retrocesso – em ambos os casos se trata de efeitos de rotação –, em trajetória rasante ou alta. As diferenças podem ser mínimas, microscópicas, mas o mesmo pode-se dizer das variantes dos movimentos do corpo (ombros, cotovelos, pulsos, quadris, tornozelos, joelhos) quando se golpeia a bola. Além disso, intervêm muitos outros fatores: o clima, a superfície, o rival. Nenhuma bola é igual a outra; nenhum golpe é idêntico a outro. Assim, cada vez que você se coloca numa posição para dar um golpe, tem que calcular em uma fração de segundo a trajetória e velocidade da bola e em seguida  tomar uma decisão também muito rápida sobre como, com que força e até onde devolvê-la. E tem que fazer uma e outra vez, em geral cinquenta vezes num só game, quinze vezes em vinte segundos, em rachas contínuos durante mais de duas ou três, quatro horas, e todo esse tempo correndo com os nervos em tensão. Quando a coordenação é correta e o ritmo flui, vêm as boas sensações, você se sente mais capacitado para levar a cabo a façanha biológica e mental de golpear a bola corretamente com o centro da raquete, apontando com acerto, com força e sob uma pressão mental imensa, um vez atrás da outra. Se há algo de não tenho a menor dúvida é de que quanto mais se treina, melhores são as suas sensações. O tênis, mais que muitos outros esportes, é um exercício mental. O jogador que tem essas boas sensações quase todos os dias, o que consegue isolar-se melhor de seus medos e altos e baixos psicológicos que gera inevitavelmente uma competição, é o que termina sendo o número um do mundo. Tal era a meta que me havia fixado durante os três pacientes anos em que fui segundo, atrás de Federer, e que estaria muito perto de alcançar se ganhasse a final de Wimbledon de 2008.”

Estes trechos são do primeiro capítulo de Rafa, minha história, escrita pelo próprio Rafael Nadal com o jornalista John Carlin (mesmo autor de O fator humano: Nelson Mandela e o jogo que salvou uma nação, livro que ganhou versão cinematográfica com Invictus, de Clint Eastwood). 
O universo físico e mental do tênis exposto de maneira fascinante. A cabeça de um tenista revelada no ponto a ponto. O livro traz a vida e a trajetória profissional de um dos maiores jogadores da história do tênis contadas a partir da final de Wimbledon de 2008, contra Roger Federer, considerada por muitos a melhor partida de tênis de todos os tempos.


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