quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Walden

"Talvez exista o livro que nos explique nossos milagres e nos revele outros". Henry David Thoureau escreveu isso, provavelmente sem esperar que Walden, uma de suas obras mais importantes, se tornasse esse tipo de livro para inúmeras pessoas. Sou uma delas. A narrativa do livre pensador que decide ir morar no bosque, à beira do lago, construindo sua própria morada e vivendo essencialmente da natureza, inspira uma outra espécie de existência - mais elevada, porém, possível.
"As coisas atualmente inexpressáveis, talvez as encontremos expressas em algum lugar." O que há de mais sagrado e fundamental em minhas crenças e aspirações está ali, e, se algum dia, alguém quisesse me conhecer realmente e compreender meus motivos interiores e minha busca por sentido, encontraria em Walden  muito mais sobre mim do que qualquer ideia superficial ou pretensiosamente profunda que eu possa dar de mim mesma.

"A grande maioria dos homens leva uma vida de calado desespero. O que se chama resignação é desespero confirmado. Da cidade desesperada você vai para o campo desesperado, e tem de se consolar com a coragem das martas e dos ratos almiscarados. Um desespero estereotipado, mas inconsciente, se esconde mesmo sob os chamados jogos e prazeres da humanidade. Não há diversão neles, pois esta vem depois da obrigação. Mas uma característica da sabedoria é não fazer coisas desesperadas."

"(...) a riqueza de um homem é proporcional ao número de coisas das quais pode prescindir."

"Eu tinha três peças de calcário em minha escrivaninha, mas fiquei apavorado quando descobri que precisaria tirar o pó todo dia, enquanto a mobília de meu espírito ainda estava toda empoeirada, e de desgosto joguei fora as pedras pela janela. Então como poderia eu ter uma casa mobiliada? Prefiro sentar ao ar livre, pois o mato não junta pó, a não ser onde o homem pode fender o solo."

"Jamais homem algum decaiu em minha estima por usar uma roupa remendada; no entanto, tenho certeza de que os homens geralmente se preocupam mais em ter roupas elegantes, ou pelo menos asseadas e sem remendos, do que em ter uma consciência limpa.
(...) Uma questão interessante é até que ponto os homens conservariam sua posição social se tirassem suas roupas."

"Quando somos sábios e não temos pressa, percebemos que somente as coisas grandes e valiosas têm alguma existência absoluta e permanente - que os pequenos medos e os pequenos prazeres não passam de sombras da realidade."

"Os homens consideram a verdade muito remota, na periferia do sistema solar, atrás da estrela mais distante, antes de Adão e depois do último homem. Há, de fato, algo de verdadeiro e sublime na eternidade. Mas todos esses tempos, lugares e ocasiões existem aqui e agora. Deus culmina no momento presente, e não será mais divino no decorrer de todos os tempos. E só somos capazes de apreender o que é sublime e nobre com a perpétua instilação e absorção da realidade que nos cerca."

"Sempre lamentei não ser tão sábio  quanto no dia em que nasci."

"Qual o tipo de espaço que separa um homem de seus semelhantes e o faz solitário? Descobri que nem o maior esforço das pernas consegue aproximar dois espíritos."

"Só quando nos perdemos, em outras palavras, só quando perdemos o mundo é que começamos a nos encontrar, entendemos onde estamos e compreendemos a infinta extensão de nossas relações."

"Quando um homem dá ouvidos às sugestões levíssimas, mas constantes, de seu gênio interior, que certamente são verdadeiras, ele não sabe a que extremos, ou mesmo a que loucura, pode ser levado; e no entanto é aí, à medida que se torna mais firme e fiel, que se encontra seu caminho."

"Uma voz lhe disse: Por que você fica aqui e vive esta vida mesquinha e cansativa, quando lhe é possível uma existência gloriosa? Estas mesmas estrelas cintilam em outros campos. - Mas como sair desta condição e realmente migrar para lá? A única ideia que lhe ocorreu foi praticar alguma nova austeridade, deixar a mente lhe entrar no corpo e redimi-lo, e tratar a si mesmo com respeito sempre maior."

"Um homem mais sensato é capaz de se encontrar com bastante frequência 'em oposição formal' ao que é tido como 'as leis mais sagradas da sociedade', por obedecer a leis ainda mais sagradas, e assim pode testar sua resolução sem sair de seu caminho. Próprio de homem não é adotar tal atitude em relação à sociedade, e sim manter a atitude em que se encontra em sua obediência às leis de seu ser, que nunca será de oposição a um governo justo, se vier a encontrar algum."

"Aprendi com minha experiência pelo menos isto: se o homem segue confiante rumo a seus sonhos e se empenha em viver a vida que imaginou, ele terá um sucesso inesperado em momentos comuns. Deixará algumas coisas para trás, cruzará uma fronteira invisível; novas leis universais e mais liberais começarão a se estabelecer por si sós ao redor e dentro dele; ou as velhas leis se ampliarão e serão interpretadas em seu favor num sentido mais liberal, e ele viverá com a licença de uma ordem superior de seres. À medida que ele simplifica sua vida, as leis do universo se mostrarão menos complexas, e a solidão não será solidão, nem a pobreza pobreza, nem a fraqueza fraqueza. Se você tiver construído castelos no ar, não será trabalho perdido; é ali mesmo que eles devem estar. Agora ponha-lhes os alicerces."

"Por que havemos de ter uma pressa tão desesperada em conseguir sucesso, e em empreendimentos tão desesperados? Se um homem não mantém o passo com seus companheiros, talvez seja porque ouve um outro toque de tambor. Ele que acompanhe a música que ouve, por mais marcada ou distante que seja. Não importa que amadureça ao tempo de uma macieira ou de um carvalho. Converterá sua primavera em verão? Se a condição das coisas para as quais fomos feitos ainda não existe, qual é a realidade que podemos colocar em seu lugar? Não naufragaremos contra uma realidade vã. Iremos nos esforçar em erguer um céu de vidro azul sobre nós mesmos, mesmo sabendo que, depois de pronto, ainda estaremos fitando o verdadeiro céu etéreo lá no alto, como se o primeiro não existisse?"



sexta-feira, 14 de setembro de 2012

quero aprender a ver em silêncio.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

"Há quem, acompanhado pomposamente até a sua casa por um povo entusiasmado, de volta de alguma cerimônia pública, só encontre, ao despir a toga, mesquinharias e tormentos. E cai de tanto mais alto quanto mais bela a festa. E mesmo que os atos humildes da vida privada se ordenassem admiravelmente, fora preciso um juízo penetrante e particularmente lúcido para constatá-lo, pois a ordem é uma virtude sem brilho e que não atrai atenção. Tomar de assalto uma trincheira, desempenhar uma missão, governar um povo, são ações de realce; admoestar, rir, vender, comprar, amar, odiar, conversar com os seus e consigo mesmo, docemente, razoavelmente, sem relaxar nem se contradizer, são coisas mais raras, mais difíceis e menos notáveis. Os que vivem afastados da sociedade têm deveres tão complexos e árduos quanto os outros; e os simples cidadãos, diz Aristóteles, praticam a virtude em condições mais difíceis e elevadas do que os que desempenham funções públicas. É mais pelo desejo de glória do que por convicção e consciência que buscamos as situações de relevo. O meio mais eficiente de conquistar a glória deveria ser o de realizar o que por ela realizamos tão-somente por injunção da consciência. A própria coragem de Alexandre parece-me, no teatro em que se praticava, bastante inferior à que desenvolveu Sócrates no meio elevado e obscuro em que viveu. Imagino facilmente Sócrates no lugar de Alexandre, mas não vejo este no lugar daquele. Perguntai a Alexandre o que sabe fazer. Dirá: subjugar o mundo. Indagai o mesmo de Sócrates e responderá: viver a vida humana de acordo com as condições estabelecidas pela natureza. Ciência bem mais alta, mais pesada e mais digna.
O mérito da alma não consiste em se elevar mais alto e sim em se conduzir ordenadamente. Sua grandeza não se manifesta na grandeza, mas na mediocridade."

("Do arrependimento", Ensaios, Montaigne)